Opinião

Lei de Acesso à Informação nas empresas estatais

A avaliação dos pedidos de acesso à informação deve ser feita caso a caso, com justificativa fundamentada na hipótese de a resposta ao pleito ser desfavorável. Isso porque existem limites a serem considerados na divulgação de informações

Por Márcio Ávila

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A Constituição Federal de 1988 preconiza, implicitamente, o princípio da transparência, do qual decorrem outros princípios como o da publicidade (art. 37, caput) e o direito de obter informações de seu interesse junto a órgãos públicos (art. 5º, inciso XXXIII). Nesse sentido, as diversas empresas estatais atuantes no setor de energia se submetem a esses postulados, que também se expressam na Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011, regulamentada pelo Decreto nº 7.724/2012). É o caso, por exemplo, da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), da Petróleo Brasileiro S.A., Eletronuclear, Pré‐Sal Petróleo S.A. (PPSA) e Itaipu Binacional.

A Lei das Estatais (Lei nº 13.303/2016) determina que as empresas públicas e sociedades de economia mista observem, quanto ao acesso à informação, os requisitos de (i) divulgação tempestiva e atualizada de informações relevantes, em especial as relativas a atividades desenvolvidas, estrutura de controle, fatores de risco, dados econômico-financeiros, comentários dos administradores sobre o desempenho, políticas e práticas de governança corporativa e descrição da composição e da remuneração da administração, e; (ii) elaboração e divulgação de política de divulgação de informações, em conformidade com a legislação em vigor e com as melhores práticas, dentre outros (art. 8º, incisos III e IV).

A avaliação dos pedidos de acesso à informação deve ser feita caso a caso, com justificativa fundamentada na hipótese de a resposta ao pleito ser desfavorável. Isso porque existem limites a serem considerados na divulgação de informações.

A própria Constituição Federal prevê hipóteses em que o direito à informação é relativizado, como ocorre quando o sigilo é imprescindível à segurança da sociedade e do Estado (art. 5°, inciso XXXIII, parte final) ou com vistas a preservar o direito à intimidade (art. 5°, inciso LX).

Empresas estatais exploradoras de atividade econômica que atuam em regime de concorrência, por exemplo, estão sujeitas a riscos específicos, como o prejuízo à competitividade e aos interesses dos acionistas (art. 173, § 4º da Constituição Federal e art. 5º, § 1º do Decreto nº 7.724/2012).

Nada obstante, para que as estatais protejam esses dados estratégicos e concorrenciais, não basta uma mera alegação de risco hipotético, sendo preciso comprová-lo de maneira adequada, o que estará sujeito aos mecanismos de revisão administrativa da negativa, da classificação da informação e, até mesmo, de controle externo, seja pelos Tribunais de Contas, seja pelo Judiciário.

Alguns casos concretos são interessantíssimos na análise da efetividade e da abrangência do direito ao acesso à informação na prática. Em auditoria realizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) no Banco do Brasil[1], foi identificada a ausência de divulgação das agendas de compromissos públicos dos cargos da alta administração e determinado que tal divulgação fosse levada a efeito.

O Banco do Brasil recorreu da decisão e apresentou uma série de argumentos relativos ao caráter privado do banco, ao risco de exposição de informações estratégicas e à inaplicabilidade de certas normas de transparência ao caso concreto, em decorrência da Lei das Estatais.

O TCU, no entanto, manteve sua decisão, sob o fundamento de que a Lei n° 12.813/2013 prevê, em seu art. 11 c/c art. 2°, IV, que a agenda de compromissos públicos da alta administração de empresas estatais seja divulgada diariamente e que o advento da Lei das Estatais não revogou essa obrigação, nem expressa nem tacitamente.

Ainda neste julgamento, no que se refere aos riscos de exposição das informações e possíveis impactos na precificação de ativos diante da atuação em mercado concorrencial, o TCU entendeu que a divulgação da agenda de compromissos públicos dos cargos da alta administração pode ser acomodada para que o dever de publicidade não prejudique a eficiência do Banco do Brasil. Isso porque o art. 22 da Lei de Acesso à Informação e o Decreto nº 7.724/2012 excepcionam o dever de divulgação para as informações que constituam segredo comercial, profissional e industrial, dentre outras hipóteses.

Em outro caso que envolvia fiscalização na agência do Banco do Brasil S.A. em Santiago, capital do Chile, a equipe do TCU enfatizou que a entrega dos dois últimos trabalhos de auditoria interna deveria ser feita com a supressão, por meio de processo mecânico ou manual, dos dados pessoais dos correntistas.

Houve, portanto, o cuidado em preservar dados individuais dos clientes do banco, acobertados pela garantia do sigilo bancário, ao mesmo tempo em que ficou evidente a busca por amplo disclosure dos dados inerentes à atuação operacional e aos recursos de titularidade da sociedade de economia mista, uma vez que o compartilhamento de dados acobertados por sigilo empresarial está previsto nos arts. 85 a 88 da Lei nº 13.303/2016.

Sobre o tema, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal entendeu que, quando enfocados apenas dados operacionais da sociedade de economia mista sem identificação de dados pessoais ou de movimentações individuais dos correntistas, não há que se falar em sigilo bancário como óbice ao fornecimento dos documentos de auditoria interna requisitados por órgão de controle[2].

Para a Suprema Corte, essa é a lógica que se extrai dos princípios da publicidade e da transparência, além da exigência de prestar contas, todos os quais são inerentes, por imposição constitucional, ao atuar dos entes da Administração Pública direta e indireta.

Ademais, a Lei das Estatais impõe à empresa pública e à sociedade de economia mista que o valor estimado do contrato a ser celebrado por ela seja sigiloso, facultando-se à mesma conferir, mediante justificativa, publicidade ou não ao referido dado (Lei nº 13.303/2016, art. 34, caput).

Em determinado mandado de segurança impetrado em face de ato de diretor da EPE, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região validou a recusa da estatal ao fornecimento de informação com base no entendimento de que a sua publicização impactaria a competitividade dos leilões de comercialização de energia elétrica[3].

Em síntese, o impetrante pretendia obter cópia de um relatório utilizado pelo Ministério de Minas e Energia para justificar o Custo Variável Unitário (CVU) máximo permitido para participação dos empreendimentos termelétricos nos leilões de energia de 2018. Em resposta ao requerimento de acesso ao documento, o Serviço de Informação ao Cidadão da estatal indeferiu o pedido sob o argumento de que o processo de leilão estava em fase de instrução e, portanto, era considerado ato preparatório, o que foi referendado pelo Poder Judiciário[4]

O caso acima possui uma peculiaridade: à época do requerimento, a classificação do documento como reservado ainda não havia sido formalizada, conforme determina o art. 28 da Lei nº 12.527/2011.

O Diretor de Pesquisas da EPE informou ao requerente que o documento seria objeto de classificação, o que veio a ser efetivado posteriormente através de Termo de Classificação de Informação (TCI) e que atribuiu o grau de sigilo reservado ao relatório em questão, conferindo prazo de restrição de acesso por cinco anos.

Ou seja, embora à época do requerimento o documento não ostentasse status sigiloso, o TRF da 4ª Região validou a recusa da estatal ao fornecimento da informação, o que é questionável. 

A divulgação de informações de empresas públicas, sociedade de economia mista e demais entidades controladas pela União que atuem em regime de concorrência, como é o caso da Petrobras, estará submetida às normas pertinentes da Comissão de Valores Mobiliários, a fim de assegurar sua competitividade, governança corporativa e, quando houver, os interesses de acionistas minoritários (art. 5º, § 1º do Decreto nº 7.724/2012).

O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro propôs Ação Civil Pública em face da estatal, tendo como objeto a divulgação da tabela de remuneração de todos os cargos que integram seu quadro de pessoal, o que foi negado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro ao argumento de que a ampla divulgação da remuneração dos empregados da Petrobras pode comprometer esses valores que o decreto regulamentador da Lei de Acesso à Informação pretendeu preservar[5].

Em conclusão, o requerimento de informações e sua apreciação pelas empresas estatais tem que levar em consideração as peculiaridades do caso concreto, a legislação em vigor - que não se restringe à Lei de Acesso à Informação, mas também contempla, evidentemente, seu decreto regulamentador e a própria Lei das Estatais -, bem como a jurisprudência dos Tribunais de Contas e do Poder Judiciário.  

 

[1] TCU, Plenário, Acórdão nº 701/2021, Processo nº 010.348/2018-2, Rel. Bruno Dantas, data da sessão 31/03/2021, Ata nº 10/2021, de 08/12/2021.

[2] STF, 1ª Turma, MS 23168 AgR, Rel. Min. Rosa Weber, DJe 05/08/2019.

[3] TRF4, 3ª Turma, AC 50475065420184047000, Rel. Des. Vânia Hack de Almeida, DJe 04/06/2020.

[4] Decreto nº 7.724/2012, art. 20.: “O acesso a documento preparatório ou informação nele contida, utilizados como fundamento de tomada de decisão ou de ato administrativo, será assegurado a partir da edição do ato ou decisão.”

[5] TJRJ, 16ª Câmara Cível, APL: 04262539820138190001, Rel.: Des. Carlos José Martins Gomes, DJe 22/10/2021.

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