Opinião
O risco da perda da cultura organizacional com teletrabalho
Experiências mostram que, ainda que produtividade possa aumentar, o cenário para inovação é mais difícil
Quando o nosso ancestral Homoergaster começou a trabalhar, utilizando ferramentas rudimentares, feitas de pedras lascadas, não havia um local específico de confecção, as ferramentas eram desenvolvidas em qualquer lugar. Passados milhares de anos, na Europa medieval, surgiram as “Casas Compridas”, as “Longhouses”, onde ferreiros, agricultores, criadores de animais e tecelões moravam e trabalhavam juntos. Já com a Revolução Industrial, as pequenas oficinas domésticas deram lugar às grandes fábricas e consequentemente as vilas operárias em seus entornos.
Mesmo naquele cenário, várias atividades econômicas, como escolas, funerárias, confecções e as próprias lojas comerciais ainda eram mantidas pelas pessoas em suas próprias casas.
Com o advento da computação, a gigante IBM desenvolveu sistemas para automação de escritórios, sendo o primeiro de grande porte para o governo americano na década de 1960. A própria IBM, a partir dos anos 1980, iniciou um processo de transferência de parte da sua força de trabalho para estações remotas localizadas nas residências dos seus colaboradores. Os números ficaram grandiosos e em 2009, quando teletrabalho ainda era uma novidade, a IBM já tinha cerca de 40% da sua força de trabalho, com 360 mil colaboradores ao redor do mundo, trabalhando majoritariamente de casa.
Estudos mostravam que a produtividade desses colaboradores era até superior à dos que trabalhavam nos escritórios, e as horas trabalhadas eram também maiores. No entanto, esse cenário, aparentemente positivo, escondia uma armadilha fatal: o negócio da IBM dependia fortemente da inovação.
Naquele paradigma de teletrabalho, a criação de novos produtos e soluções diminuiu. Por consequência, caiu a participação da empresa no mercado. Uma das causas apontadas foi a queda da sensação de pertencimento à organização, e o desinteresse dos colaboradores, as pessoas não se sentiam motivadas a colaborar com projetos de longo prazo, pois não sentiam segurança de que iriam continuar na empresa.
Ficou a lição de que mais importante do que ganhar produtividade era ter capacidade criativa para desenvolver novas soluções. A existência de um time de colaboradores competentes interagindo presencialmente é fundamental para a inovação. A IBM aprendeu isso da forma mais dolorosa, que também é a mais efetiva, ou seja, a partir de uma grave crise.
Como solução, a própria empresa iniciou um processo agressivo de retorno dos colaboradores ao escritório conhecido como “O Massacre”. A empresa precisava se adaptar ao novo mercado, repleto de concorrentes pequenos, ágeis e efetivos em prover soluções inovadoras.
O componente físico de espaço compartilhado é elemento importante de formação, transferência e permanência da Cultura Organizacional. Os colaboradores se veem como agentes importantes e reconhecidos nas interações pessoais no ambiente de trabalho. O famoso “efeito bebedouro”, ou “water cooler”, ou o chamado “espaço do cafezinho” são fundamentais para a troca de experiências.
Na Indústria do Petróleo especialmente, esse convívio presencial, em forma de interação, tem sido nas últimas décadas, fundamental para desenvolver a cultura organizacional de grandes corporações, não só das tradicionais Produtoras de Petróleo, como também de empresas de serviços, o que claramente as diferencia entre si. Aliás, esse convívio físico tem funcionado também como elemento importantíssimo de passagem de experiências entre gerações de empregados, criando a identidade e perpetuando o mindset da organização.
Nesse momento de pandemia da Covid-19, onde algumas organizações especulam como uma oportunidade para redução permanente de custos o fato de as empresas estarem forçadas, de forma abrupta e por razões sanitárias, a implementar o teletrabalho, o exemplo da IBM serve como uma reflexão. É necessária uma atenção especial à Cultura da Empresa, que deve ser considerada como um ativo intangível e fundamental de muitas organizações. Afinal, existe e sempre haverá um abismo de diferença entre um agrupamento de assalariados e uma corporação integrada, que busque ter o sucesso perene.
Wagner Victer é engenheiro, administrador, ex-secretário de Estado de Energia, Indústria Naval e do Petróleo, e ex-Conselheiro do CNPE.