Opinião

Os novos modelos de negócio para o GNL

O rápido desenvolvimento de mercados internacionais, como a América Central, sinaliza possibilidades para o Brasil

Por Ieda Gomes

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Em 2017, fui co-autora de um trabalho sobre as perspectivas e o mercado potencial de GNL na América Central e Caribe. A tese de partida era a oportunidade de substituir derivados de petróleo por GNL, inicialmente na geração de eletricidade, enfrentando o desafio de demanda fragmentada em mercados de pequeno porte, além da inexistência de infraestrutura de transporte e distribuição de gás natural.

Em 2017 a região contava com um terminal convencional de regaseificação onshore na República Dominicana e outro similar em Porto Rico, mais um terminal em construção onshore no Panamá. Todos os três projetos ancorados em usinas termelétricas a gás natural. Nenhum dos três países dispunha de infraestrutura de gás natural.

A despeito das dificuldades logísticas em suprir mercados de porte tão pequeno, nos últimos três anos ocorreu uma evolução impressionante do negócio de GNL na região, impulsionada pelos investidores privados e pela disponibilidade de GNL a preços competitivos.

A título de exemplo, na Jamaica existe um modelo multimodal. Uma FSRU, estacionada no mar, no sul da ilha, recebe GNL importado e entrega o produto regaseificado a consumidores industriais, uma planta de co-geração e uma usina termelétrica, através de um gasoduto conectado à FSRU. Como a Jamaica não tem infraestrutura de transporte e distribuição de gás, o Norte do país é abastecido por um pequeno navio de GNL que abastece a partir da FSRU no Sul, em uma operação ship-to-ship, e descarrega em um terminal em Montego Bay, no norte da ilha. Uma parte do GNL é regaseificado e entregue a uma usina termelétrica local, o restante é entregue em ISO-containers e transportado por caminhões, para consumidores locais. A FSRU no sul também abastece um outro pequeno navio tanque de GNL, que transporta o produto até uma FSU de pequeno porte, estacionada no Porto de San Juan, Porto Rico, onde um terminal de pequeno porte faz a regaseificação de parte do GNL, que é entregue a uma usina termelétrica de 440 MW; o restante é injetado em ISO containers para comercialização para outros consumidores, via caminhões.

Enquanto isso, pequenas plantas de liquefação na Flórida carregam GNL em ISO containers, que são carregados em navios containers convencionais para entrega aos mercados das Bahamas, Barbados, Porto Rico, e mesmo o Haiti, onde indústrias locais querem utilizar energias mais limpas e confiáveis.

Os terminais onshore convencionais no Panamá e República Dominicana foram adaptados para fazer transbordo a navios de pequeno porte, carregamento de caminhões criogênicos e bunkering de GNL.

Na América Central existem projetos em desenvolvimento na Nicarágua, El Salvador e um segundo terminal de GNL no Panamá.

Em apenas três anos, estamos assistindo a uma transformação de grande significado no modelo de negócios de gás de uma região.

Onde essa transformação pode se aplicar ao Brasil?

Em primeiro lugar, parece evidente que o Brasil deverá continuar a importar gás natural na próxima década. As projeções governamentais de disponibilidade de gás do pré-sal indicam uma disponibilidade de 37 MM m3/dia em 2023, atingindo 71 MMm3/dia em 2030. Porém a capacidade de escoamento das rotas 1,2 e 3 é de 44 MMm3/dia, com saturação prevista para 2026-2027 (EPE), a menos que sejam construídas uma quarta e quinta rotas, mesmo volumes tecnicamente viáveis de gás do pré-sal continuarão   a ser maciçamente reinjetados por falta de infraestrutura de escoamento.

Segundo a EPE, o mercado de gás potencial na malha integrada em 2029 seria de 166 MMm3/dia, aí incluídos 24 MMm3/dia de demanda adicional criada pelo Novo Mercado de Gás, e um consumo de usinas termelétricas com um despacho máximo de 80 MMm3/dia. A demanda cai pela metade, caso as usinas termelétricas sejam despachadas de forma flexível e se não for criada demanda adicional com o Novo Mercado de Gás.

Com projeções relativamente modestas para a oferta de gás do pré-sal, a saturação das três rotas de escoamento e com as incertezas relativas à disponibilidade de gás boliviano, o Brasil poderá tornar-se ainda mais dependente de GNL importado.

Até 2023 deverão estar em operação 5 terminais de importação, dos quais três operados por empreendedores privados e dois pela Petrobras. Outros dois ou três terminais estão sendo desenvolvidos por investidores privados em diversas regiões do país.

Em segundo lugar, a disponibilidade de GNL a preços baixos no mercado spot de curto prazo poderá impulsionar novos negócios de cabotagem, bunkering e entrega de containers por via rodoviária, marítima e fluvial.

Os preços mais baixos do petróleo e a super oferta de GNL também indicam a possibilidade de contratos de longo prazo com percentuais de indexação ao Brent e Henry Hub mais favoráveis que no passado recente. E sendo o mercado atual mais favorável ao comprador, poder-se-ia voltar à negociação de preços piso e teto, caso o preço do petróleo ou Henry Hub disparem no longo prazo.

No mercado de curto prazo, foi amplamente noticiado que a Argentina comprou cerca de 1,2 milhões de toneladas de GNL, para entrega no inverno de 2020 a um preço médio de US$ 2,87/MMBTU, entregue no terminal de Escobar. Adicionando-se os custos de regaseificação, transporte e desembaraço, o GNL regaseificado chega ao city gate de Buenos Aires abaixo de US$ 4/MMBTU.

Os leilões de eletricidade com inflexibilidade máxima de 50% sem dúvida favorecem o crescimento da oferta de plantas à GNL, pois os produtores de gás associado que não possuem um portfólio muito extenso de gás doméstico teriam dificuldades maiores de manejar a flexibilidade das usinas com suprimento sustentado pelos fluxos contínuos de petróleo.

Espera-se que os preços de GNL aumentem nos próximos 12 meses, mas isso poderá refletir no aumento da oferta de shale gas nos EUA e um novo reequilíbrio de oferta e demanda de GNL. A incerteza no Brasil sobre a disponibilidade de gás nacional e boliviana sem duvida favorecem o desenvolvimento de novos negócios de GNL.

Ieda Gomes é uma consultora independente e membro do conselho de administração de empresas internacionais de energia, infraestrutura e certificação

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