Opinião

Importação de Gas Natural: Evolução e Perspectivas de Curto Prazo

Fatos e números relevantes da importação do gás boliviano e de GNL desde que o Brasil iniciou o projeto Gasbol em 1999 e perspectivas a luz dos desinvestimentos da Petrobras e da renovação dos contratos do Gasbol

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Introdução

O Brasil passou a importar gás natural em 1999, após a conclusão da primeira etapa do gasoduto Bolívia-Brasil. O gasoduto (Gasbol), de 3150 km, possibilita o suprimento de gás boliviano às empresas distribuidoras de gás em cinco estados brasileiros: Mato Grosso do Sul, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Existe ainda um tramo independente interligando a Bolívia ao Mato Grosso. O contrato de gás com a Bolívia  foi firmado em 16 de agosto de 1996 e estabelece um volume mínimo de compra de 24 MMm³/dia e um volume máximo de entrega de 30,08 MMm³/dia. O prazo do contrato é de 20 anos a partir do início do fornecimento, assim sendo, no caso da Comgás (SP), o prazo finda em 2019, enquanto que para as demais distribuidoras o prazo do contrato se encerra em 2020. As distribuidoras dispõem de um ano adicional para retirar as quantidades pagas (Take or Pay) e não retiradas.

No âmbito dos acordos celebrados com a Bolívia, foram constituídas duas empresas transportadoras, a TBG – Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil S.A.,  controlada pela Petrobras, que opera o trecho de 2593 km no território brasileiro, e a GTB – Gas TransBoliviano S.A., afiliada da YPFB, que opera o trecho de 557 km em território boliviano.

A partir do ano 2000 o Brasil passou a importar cerca de 2,8 MMm³/dia de gás da Argentina para suprimento da termoelétrica de Uruguaiana (560 MW), operada pela AES.  Porém, a partir de 2004, o governo argentino criou um programa de racionalização de exportações de gás natural, que estabeleceu o racionamento e, finalmente, o corte do suprimento de Uruguaiana.  O trecho de 25 km do gasoduto interligando o gasoduto da TGM – Transportadora de Gás del Mercosur S.A. na Argentina é operado pela TSB – Transportadora Sulbrasileira de Gás S.A., afiliada da Petrobras.

O crescimento dos volumes importados da Bolívia foi lento, pois a maior parte dos estados importadores não dispunha de infraestrutura de transporte e distribuição de gás. Somente em 2008 o mercado absorveu a totalidade dos volumes contratados, mas com a crise econômica de 2009 houve uma contração significativa do consumo, em particular no setor industrial.

Ao mesmo tempo,  a crise gerada pela nacionalização dos ativos das petroleiras pelo governo boliviano em 2006, além da preocupação do governo em evitar “apagões” no setor elétrico, levou a Petrobras a desenvolver projetos de importação de Gás Natural Liquefeito – GNL. A partir de 2009 foram construídos três terminais de importação flutuante (FSRU) nos estados do Rio de Janeiro, Ceará e Bahia, com capacidade  total de regaseificação de 41 MMm³/dia.  A importação de GNL destinava-se unicamente a complementar a demanda de gás de usinas termelétricas, cujo despacho é flexível ao longo do ano.  Em virtude da flexibilidade do mercado e da baixa previsibilidade da demanda, a Petrobras passou a contratar cargas de GNL no mercado spot ou ainda em contratos de curto prazo, de 1 a 2 anos.

Empresas privadas anunciaram outros projetos de GNL, para atender leilões de eletricidade A-5. Atualmente existem três projetos de usinas termelétricas relativos aos leilões realizados em 2014 e 2016, mas dois desses projetos estão sendo renegociados.

No período 2000-2016 o Brasil desembolsou USD 44,5 bilhões com importações de gás natural e GNL.  Os desembolsos atingiram o pico de USD 7,1 bilhões em 2014, coincidindo com preços em alta de petróleo e gás no mercado internacional e maior demanda pelo setor elétrico no Brasil.

A Oferta de Gás Natural Importado

No período 2006-2016 a importação de gás oscilou entre 45% e 55% da oferta total de gás natural. Essa situação vem se revertendo a partir do primeiro trimestre de 2016, inicialmente com a redução do consumo termelétrico, que resultou em uma drástica redução no volume de GNL regaseificado e na suspensão das importações nos terminais do Rio de Janeiro e Bahia.  Além da redução na demanda, a maior disponibilidade de gás nacional também impactou as importações da Bolívia. O volume médio importado nos meses de janeiro e fevereiro de 2017 é de 16 MMm³/dia, volume muito inferior ao Take or Pay anual contratual de 24 MMm³/dia.

No período 2008-2016 a Petrobras importou 21,2 mtpa e desembolsou (FOB) cerca de USD 12,2 bilhões com importações de GNL.  Essas importações visaram atender principalmente às térmicas do Programa Prioritário de Termeletricidade (PPT), cujos preços são substancialmente inferiores aos preços do GNL antes de ser regaseificado e transportado até a usina termoelétrica.  A título de exemplo, o preço médio para o PPT em 2016 foi de USD 4,17/MMBtu, contra um preço médio FOB de GNL de USD 8,24/MMBtu. Assim sendo, para cada molécula de GNL entregue a uma usina do PPT, ocorreu uma perda de USD 4,07/MMBtu em 2016. Essa perda foi ainda mais acentuada no ano de 2015, cerca de USD 9,9/MMBtu, pois o preço médio de importação de GNL FOB foi de USD 13,86/MMBtu, contra um preço médio ao PPT de USD 3,96/MMBtu.

Além da crescente demanda do mercado doméstico, a Bolívia exporta gás para o Brasil e para a Argentina. No caso da Argentina, o contrato prevê o suprimento médio de 16,5 MMm³/dia no período de outubro a abril, e de 20 MMm³/dia no período de maio a setembro. Até o início de 2016 a Bolívia não conseguia atender plenamente a demanda invernal na Argentina, em função da prioridade dada ao mercado brasileiro e ainda a problemas operacionais em alguns de seus campos produtores.

Com a retração das importações brasileiras, a Bolívia tem disponibilizado volumes de até 19 MMm³/dia para a Argentina no primeiro trimestre de 2017.

Perspectivas futuras

A anunciada saída da Petrobras de diversas atividades ligadas ao setor de gás suscita inúmeras questões quanto ao futuro das importações de gás no Brasil.

No caso do GNL,  além da desativação temporária dos terminais da Bahia e Rio de Janeiro, existe a possibilidade de desativação do terminal de Pecém, em função de limitações impostas ao armazenamento de combustível na área ocupada pelo terminal. Além disso, a Petrobras havia colocado os terminais do Rio e do Ceará no seu programa de venda de ativos, mas a venda não foi concretizada.

Nos primeiros dois meses de 2017 a Petrobras reinjetou uma média de 27,7 MMm³/dia de gás nacional. Caso consiga equacionar o escoamento de parte desse gás para o mercado doméstico, o Brasil passará a depender menos de gás importado, tanto de GNL como de gás boliviano.

A Petrobras anunciou ainda que não pretende importar gás da Bolívia nas mesmas condições e volumes do contrato que expira em 2019. Nessas circunstâncias, as companhias distribuidoras de gás teriam de negociar contratos de suprimento diretamente com a YPFB e negociar acesso aos gasodutos de transporte junto à TBG e GTB. As reservas provadas bolivianas despencaram em 2009, devido à mudança de critérios de aferição, mas desde então não têm aumentado em volumes suficientes para atender ao crescimento do mercado doméstico e ainda atender plenamente aos mercados brasileiro e argentino.

Caso a Petrobras reduza o volume que contratará com a Bolívia, indaga-se qual será o seu papel em atender a demanda flexível e pouco prevísivel do mercado termoelétrico e se serão dadas condições a agentes privados para entrar no vácuo a ser deixado pela Petrobras.

No que tange às importações de GNL, caso a Petrobras decida desfazer-se de seus terminais e contratos com navios regaseificadores, potenciais investidores privados terão dificuldade em desenvolver um modelo de negócios viável em função das incertezas quanto à demanda termoelétrica, a estagnação da demanda nos segmentos tradicionais e, ainda, um arcabouço regulatório e tributário que dificulta o acesso aos terminais, desestimula o empréstimo de moléculas no compartilhamento de terminais e inviabiliza operações de swap financeiros e operacionais.

Em função dos resultados apresentados no início de 2017, as perspectivas de importação de GNL no curto prazo não são favoráveis, enquanto que a importação de gás boliviano poderá se manter abaixo dos volumes de take or pay,  porque a Petrobras deverá dar prioridade ao escoamento do seu próprio gás natural doméstico.

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