Opinião

O Repetro-Industrialização e o Fabricante Final Prestador de Serviço

A operação de venda do fabricante final para o operador não é requisito para a concessão do benefício fiscal

Atualizado em

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O presente artigo jurídico tratará do direito do fabricante final ao benefício fiscal do Repetro-Industrialização quando prestar serviços para uma operadora de atividades de exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e gás natural. O tema se torna relevante em razão da Solução de Consulta COSIT nº 82, publicada no DOU de 24/06/2021.

Determinada pessoa jurídica formulou consulta à Receita Federal do Brasil questionando  se está correto o entendimento segundo o qual a suspensão dos tributos federais inerentes ao Repetro-Industrialização é assegurada mesmo na hipótese de a utilização do produto final, nas atividades de exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e gás natural, ser realizada pelo próprio fabricante habilitado no Repetro-SPED, sem uma subsequente venda do produto final.

Além de exercer a atividade de industrialização de produtos finais, a consulente informou à RFB que ainda presta serviços para a indústria de exploração, produção e refino de petróleo, dentre os quais se destacam os serviços técnicos e assistência técnica relacionados a máquinas, equipamentos, módulos e aparelhos para a utilização na indústria de exploração, produção e refino de petróleo; separação e tratamento de óleo, gás e água tanto em instalações terrestres como em plataformas submarinas; bem como prestação de serviços de cimentação de poços submarinos.

Na qualidade de prestadora de serviços, portanto, a consulente é fabricante e destinatária de produto final utilizado nas atividades de exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e gás natural, não sendo uma fornecedora de máquinas e equipamentos para a operadora.

A dúvida da pessoa jurídica é pertinente porque a IN RFB nº 1.901/2019 estabelece como um dos requisitos para a fruição do benefício que o fabricante de produtos finais os forneça para outra pessoa jurídica habilitada ao Repetro ou ao Repetro-SPED (art. 2º, parágrafo único, inc. I). A mesma instrução normativa também menciona que o Repetro-Industrialização se extingue quando o produto final for vendido à pessoa jurídica habilitada ao Repetro ou ao Repetro-SPED (art. 26, inc. I) e que efetivada a venda do produto final haverá conversão da suspensão do pagamento dos tributos federais em alíquota zero (PIS/Pasep, Cofins, PIS/Pasep-Importação e Cofins-Importação) e isenção (imposto de importação e IPI), conforme determina o art. 27.

Ocorre que a Lei nº 13.586/2017 não estabelece a venda do produto final como condição para a fruição do benefício. A exigência é de que o bem seja destinado às atividades de exploração, de desenvolvimento e de produção de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos (art. 5º). A destinação do bem é reiterada no art. 6º, caput e §§ 3º e 9º.

O Decreto nº 9.537/2018, que regula o Repetro-Industrialização, mantém a mesma lógica da Lei nº 13.586/2017, nada falando sobre a necessidade de venda do bem, apenas condicionando a fruição do benefício à sua devida destinação (art. 2º, caput, art; 5º, caput e art. 8º, § 1º).

Na Solução de Consulta COSIT nº 82/2021 restou esclarecido que a empresa habilitada no Repetro-Industrialização, fabricante de produtos finais utilizados nas atividades de exploração, de desenvolvimento e de produção de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos - sejam estes produtos utilizados em operações próprias ou na prestação de serviços a terceiros habilitados no Repetro-Sped -, preenche o requisito legal para pleitear o aproveitamento do benefício de suspensão de impostos e contribuições federais do sobredito regime especial nas aquisições de matérias-primas, produtos intermediários e materiais de embalagem empregados no processo produtivo.

Em sua resposta à consulta formulada, a RFB sustentou que existiria uma “lacuna na Instrução Normativa nº 1.901, de 2019 (art.27), que restringiu o usufruto dos benefícios tributários do regime à estrita efetivação de operação de venda do produto final a beneficiário do Repetro”. O argumento da lacuna normativa aparece duas vezes na resposta da RFB.

O problema da argumentação utilizada na resposta é que passa a falsa ideia ao mercado de que não existiria lei para o caso concreto e que a RFB estaria realizando uma interpretação extensiva do benefício fiscal, a ponto de constar em manchete de jornal de grande circulação que a “Receita amplia alcance de benefício previsto para setor de petróleo”[1].

Na verdade, existe lei para o caso concreto e a RFB não está realizando uma interpretação extensiva do benefício fiscal. A IN RFB nº 1.901/2019 é que extrapolou o texto da Lei nº 13.586/2017, ao estabelecer uma trava à fruição do benefício fiscal pelo fabricante final: necessidade de venda do produto final à pessoa jurídica habilitada ao Repetro ou ao Repetro-Sped.

Como a atividade hermenêutica é livre, tenho defendido que nem sempre a legislação tributária que disponha sobre outorga de isenção deve ser interpretada literalmente, ao contrário do que dispõe o art. 111, inc. II do Código Tributário Nacional[2]. O exercício da interpretação não pode ficar preso exclusivamente a questões orçamentárias porque outros valores constitucionais surgem durante a atividade exegética.

O próprio STJ, em caso específico envolvendo o antigo Repetro, parece corroborar com o nosso entendimento, ao tratar da interpretação extensiva da lista de bens repetráveis: “A legislação que fundamenta o regime Repetro, que prevê benefícios fiscais àqueles que desempenham atividades de pesquisa e lavra das jazidas de petróleo e gás natural, permite interpretação ampliativa do rol de bens descritos na IN SRF 04/2001, sendo, portanto, possível estender os benefícios aos aparelhos que, embora não constem especificamente do rol constante da instrução normativa citada (IN SRF 04/2001), são efetivamente destinados a garantir a operacionalidade dos bens empregados nas referidas atividades” (AgRg no AREsp 562.465/BA, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 07/10/2014, DJe 14/10/2014).

Mas a questão aqui não é de interpretação extensiva de benefício fiscal. A Solução de Consulta COSIT nº 82/2021 termina evidenciando um vício de legalidade e a premente necessidade de alteração da IN RFB nº 1.901/2019, mais especificamente do art. 26, inc. I e do art. 27, de maneira a ser retirada a condicionante de venda do produto final para a fruição do benefício fiscal do Repetro-Industrialização.

A partir da data de sua publicação, a Solução de Consulta Cosit tem efeito vinculante no âmbito da RFB e respalda o sujeito passivo que a aplicar (IN RFB nº 1.396/2013). Portanto, o fabricante final não precisa impetrar mandado de segurança para garantir o direito líquido e certo a não se submeter à condicionante de venda do produto final para a fruição do benefício. Por outro lado, caso algum contribuinte tenha impetrado mandado de segurança antes da publicação da SC COSIT nº 82/2021, o seu direito líquido e certo restará ainda mais robustecido com o atual posicionamento da RFB.

 

[1]  https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2021/07/14/receita-amplia-alcance-de-beneficio-previsto-para-setor-de-petroleo.ghtml. Acesso em 15.07.2021.

[2]  CTN, Art. 111. “Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre: II - outorga de isenção”.

 

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