Opinião

O mercado de gás natural e os contratos de longo prazo, oportunidade ou armadilha?

Na briga entre vendedores e compradores, os vendedores, em particular a Petrobras, ainda têm um maior poder de fogo, mas esse quadro poderá mudar nos próximos anos

Por Bruno Armbrust

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Embora ainda não se vislumbre um cenário claro para o fim da crise entre a Rússia e a Ucrânia, o cenário esperado de um período mais prolongado de baixo crescimento mundial tem contribuído para uma menor pressão sobre os preços do petróleo e do gás.

O petróleo tipo Brent, que indexa muitos contratos de gás e já esteve acima de 125 US$/bbl, parece, mesmo com o corte da produção anunciado pela OPEP, querer estacionar na faixa entre 70–80 US$/bbl. Já o TTF, muito usado na UE, que chegou a custar mais de 100 US$/MBtu e o JKM, que chegou a 70 US$/MBtu no auge na crise, se situavam, ambos, nos últimos dias na faixa dos 11 a 12 US$/MBtu.

Os elevados preços do petróleo e do gás parecem ter ficado, momentaneamente, para trás. O balanço entre a oferta x demanda, mantido o cenário geopolítico atual, deverá ser o condicionante principal dos preços do gás no médio e longo prazo, indicando os cenários mais prováveis do comportamento dos preços do gás.

Do lado da demanda, apesar do fim de sua política austera de lockdown, não parece que a China será mais o grande motor propulsor do crescimento mundial. No restante dos países, os cenários de estagnação econômica ou de baixo crescimento vão indicando que não deverá, no médio prazo, ocorrer taxas de crescimentos representativos no mundo.

Recentemente foram publicados dados dos países membros da OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, que é formada pelos países desenvolvidos, chamada por alguns de Clube dos Ricos e os números divulgados demonstraram que o consumo anual de gás natural nos países da OCDE vem caindo, enquanto a produção de gás apresentou um ligeiro incremento.

Segregando os dados de consumo da OCDE entre Ásia, Europa e Américas, se percebe que os piores números vieram da Europa, região mais afetada com a guerra, que de 2019 até a atualidade, reduziu seu consumo em cerca de 100 bcma, volume equivalente ao consumo de gás natural do Brasil incluindo térmicas full.

Ainda que se espere que o cenário de curto prazo da oferta de gás e eventuais ações da OPEP de corte de produção continuem pressionando os preços no curto prazo, o baixo crescimento mundial deverá pressionar no sentido contrário.

Já no que se refere ao médio e longo prazo, a demanda por gás natural deverá se ver afetada por iniciativas de descarbonização a partir do aumento nos usos de fontes renováveis vindos de vários países, o que terá um grande potencial de reduzir a demanda por gás natural nos próximos anos.

Na União Europeia, novas diretrizes para fomentar uso de fontes renováveis, como o biometano, com metas até 2030, estão sendo lançadas e terão caráter vinculante para todos os países membros com potencial de redução significativa da demanda por gás natural que será substituída por gases renováveis. Outros países como o Japão parecem que irão pelo mesmo caminho. Já do lado da oferta, a perspectiva de incremento nas exportações de GNL vindo de países como o Qatar e EUA a partir de 2025 deverão contribuir para a redução dos preços do gás.

Essa combinação de maior oferta e estagnação da demanda terá potencial para reduzir os atuais preços do gás nos próximos anos e uma análise dessa combinação de fatores é de fundamental importância nesse momento em que se vê a Petrobras assinando recentemente contratos de longo prazo com as distribuidoras, sem uma redução significativa de preços e mantendo uma referenciação ao Brent, o que traz um risco à competitividade futura da indústria local.

Em um mercado ainda pouco liberalizado, como temos aqui, os Governos e as agências reguladoras deverão estar atentos para os contratos que serão fechados pelas distribuidoras estaduais. A chamadas públicas de compra de gás que estão sendo realizadas pelas distribuidoras são um importante instrumento num mercado ainda predominantemente cativo de consumidores.

Na região Nordeste do país, a abertura do mercado de gás, que completa dois anos, provocou maior concorrência do lado da oferta e uma redução significativa da participação da Petrobras, o que possibilitou maior poder aos compradores. No entanto, a Petrobras, ainda na condição de price maker, tem firmado contratos com preços elevados para as distribuidoras, conforme se pode observar no site da ANP, que apresentam preços de 13,9% do Brent em contratos de 5 anos e 12,9% do Brent naqueles com prazo até 2032, prazo esse que, em alguns casos, supera os prazos das atuais concessões estaduais, com é o caso do RJ.

Destaca-se que nas regiões Sul, Sudeste e Centro Oeste, a situação ainda é de grande predominância da Petrobras, pois detém mais de 90% da oferta.

Nos próximos cinco anos, com a entrada em operação dos Terminais de GNL de São Paulo e de Santa Catarina, a injeção de cerca de 16 milhões de m³/dia de gás novo com o recém anunciado projeto do BM-C-33 na Bacia de Campos, onde a Petrobras detém apenas 30%, a possível interligação do Terminal do Porto do Aço à malha de transporte, dentre outros, a concorrência do lado da oferta na região Sudeste deverá se ampliar substancialmente.

Diante das perspectivas para os próximos anos, o mais prudente nesse momento, ainda de alguma volatilidade e incertezas, seria a prática de contratos de curto e médio prazo, não superiores a cinco anos. Contratos com prazos superiores a cinco anos entre as distribuidoras e a Petrobras deveriam conter cláusula de price review, além do já previsto mecanismo de ramp down pela redução imediata de volumes contratuais na migração de clientes cativos para o mercado livre.

Nessa mesma linha acima, seria importante uma reflexão sobre que tipos de indexadores poderiam funcionar melhor no médio e longo prazo. Para indústrias nacionais que competem no mercado mundial, indexadores ligados ao HH ou uma mescla de HH e Brent, poderiam ser mais interessantes, na medida que muitas indústrias no exterior utilizam mais usualmente o HH, TTF, dentre outros e cada vez menos o Brent.

Enfim, num momento de transição, como estamos passando, agir com prudência é o melhor a fazer, ainda mais agora, depois do anúncio da nova política de preços da Petrobras, que poderá gerar desequilíbrios entre o preço do gás natural e seus concorrentes. Isso porque o gás natural continuará indexado ao câmbio e ao Brent, com reajustes trimestrais automáticos. As distribuidoras deveriam buscar proteção nos contratos de longo prazo, exigindo da Petrobrás uma cláusula de price review, além da descontratação automática, já prevista, de volumes que migrem do mercado cativo para o mercado livre.

Os Estados, por sua vez, deveriam buscar eliminar as barreiras volumétricas e introduzir medidas efetivas de estímulo ao mercado livre de forma a acelerar a migração dos grandes clientes.

Nessa briga entre vendedores e compradores, os vendedores, em particular a Petrobras, ainda têm um maior poder de fogo, mas esse quadro poderá mudar nos próximos anos e os contratos de longo prazo firmados pelas distribuidoras, de oportunidade momentânea, podem ser transformar em verdadeiras armadilhas onde o maior perdedor será o consumidor final.

 

 

Bruno Armbrust é sócio fundador da ARM Consultoria, ex-presidente do grupo Naturgy na Itália de 2004 a 2007 e no Brasil de 2007 a 2019. Escreve na Brasil Energia a cada dois meses.

 

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