Opinião

Transição energética e sustentabilidade do financiamento da indústria de óleo e gás

Fatores do lado da oferta e da demanda vêm acelerando uma mudança na composição do investimento em energia nos últimos anos, impondo algum desafio às empresas do setor de óleo e gás

Por Osmani Pontes

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O último relatório da Agência Internacional de Energia (AIE) trouxe dados úteis para perspectivas sobre o status da financiabilidade dos negócios no setor de óleo e gás a nível global. O documento mostra que pela primeira vez os investimentos previstos para energias renováveis superaram aqueles destinados para combustíveis fósseis a nível mundial para 2023, com o primeiro setor registrando expectativas de 382 bilhões de dólares e o setor de fósseis com expectativas de 371 bi de dólares. De 2,8 tri de dólares investidos em energia no mundo, 1,7 será via renováveis.

O movimento não é um ponto fora da curva e sim continuação de uma trajetória, já que em 2021, segundo relatórios anteriores da AIE, o investimento anual em renováveis subiu 25%, contra 15% para os fósseis. Desde 2008 o custo médio da eletricidade gerada a partir de renováveis caiu 89%, chegando a um preço final de cerca de 1/3 do preço final da eletricidade oriunda de fósseis. Isso reflete a queda do custo médio das principais fontes de energia renováveis como a energia eólica, com queda de 69% do custo médio, gerando um preço final de cerca da metade da eletricidade mais barata gerada por um fóssil, no mesmo período de 15 anos.

Só em 2022 o custo médio da energia solar caiu 2%, da eólica 5%, da bioenergia 13% e da geotérmica 22% e a principal razão está na expansão de células solares fotovoltaicas e de energia eólica onshore na China. Não só as fontes renováveis se tornaram mais competitivas, a despeito da inflação, como a energia de fósseis se tornou mais volátil e cara após os fenômenos da pandemia e da guerra na Ucrânia. Em 2022, 86% da capacidade renovável contratada para geração de energia elétrica teve custos mais baixos que a eletricidade gerada por combustíveis fósseis.

Assim, houve uma mudança na composição dos investimentos, mas condicionada a fatores de oferta e de demanda. Há 5 anos, para cada 1 dólar investido em fóssil havia 1 dólar em renováveis, hoje para cada 1 dólar em fóssil, há 1,7 em renovável. Pelo lado da oferta, além dos itens já listados de menores custos, há o financiamento bancário, sobretudo de bancos americanos e europeus cujos selos ESG exigem cada vez mais investimentos verdes e assim tornam linhas de crédito para energias renováveis mais acessíveis com prazos mais longos e juros mais baixos, deixando o setor de óleo e gás ao sabor dos juros elevados ao redor do globo. Isso tem impactado o balanço das empresas do setor que se deparam com obstruções do finance (captação de crédito de curto prazo) - funding (obtenção de crédito de risco e de longo prazo após pagamento do crédito de curto prazo e como as receitas são cada vez mais escassas, pela volatilidade dos preços finais, esse pagamento fica também mais difícil).

Pelo lado da demanda, a pandemia que enfraqueceu a demanda mundial, notadamente a chinesa, e a guerra na Ucrânia com as restrições europeias ao petróleo russo, aceleraram os planos de descarbonização na Europa, reduzindo, ainda que gradualmente, a demanda por derivados de petróleo.

Esse movimento não é homogêneo já que muitos países emergentes ensolarados não dispõem de plantas de geração de energia solar ou eólica e um movimento nessa direção foi a inclusão no bloco dos BRICS de países como Emirados Árabes e Arábia Saudita, grandes produtores de petróleo. Nesse contexto, Brasil e Argentina negociaram saldar transações em yuan para substituição do dólar (que tem relação inversa com o preço do brent) tendo como garantia o campo de Vaca Muerta, reserva de gás natural argentina. A despeito de o plano não ter ido adiante, por temor do governo argentino de também esgotar suas reservas de yuan, pode-se notar que o comércio e, portanto, a liquidez do mercado de óleo e gás ainda seguirá resiliente.

Porém, o alerta para o longo prazo é que as petroleiras, que afetam toda a cadeia de refino e distribuição de derivados, precisam rapidamente migrar seus modelos de negócios para energias alternativas, não somente para atender aos selos ESG, como também para se inserirem na nova dinâmica global de oferta e demanda e se tornarem mais competitivas.

 

Osmani Pontes é economista, com MBA em mercados de derivativos, opções e futuros pelo INSPER e em gestão de portfólios cambiais pela EPGE/FGV. Escreve mensalmente na Brasil Energia.

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