Opinião

Escolhas e desafios da próxima gestão da Petrobras

Caminhos para atender a um propósito praticamente consensual no mercado de oil and gas: a necessidade de recolocação estratégica de uma petroleira nos anos 2020

Por Osmani Pontes

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A presidência e diretoria que assumem a Petrobras no próximo governo irão se deparar com um panorama de desafios em que o menu envolve três aspectos intrinsecamente correlacionados: a política de distribuição de lucros e dividendos; o plano de investimentos da empresa e a mudança da política de paridade de importação (PPI). Este texto pretende mostrar como esses temas estão ligados e como podem ser resolvidos para atender a um propósito praticamente consensual no mercado de oil and gas: a necessidade de recolocação estratégica de uma petroleira nos anos 2020.

Vamos começar observando alguns dados disponíveis no próprio balanço da empresa. Após pagamento de 43,7 bilhões de reais em dividendos no terceiro trimestre de 2022 (3,3489 reais por ação), o total pago no ano chegou a 207 bilhões de reias. Como em 2021 o total pago foi de 101,3 bilhões de reais, temos 308,3 bi de reais em dividendos pagos aos acionistas no acumulado. Essa soma é maior que o lucro líquido da empresa que no período chegou a 206 bilhões de reais. Naturalmente que como o pagamento foi maior que o lucro descontado, a origem desse montante se deu com emissão de dívida em mercado ou por redução de patrimônio líquido da companhia, ou seja, a Petrobras usou capital próprio para remunerar o capital, usando dinheiro dos acionistas para pagar aos próprios acionistas e não para investir.

O ponto é que o estatuto da empresa define que é necessário pagar um mínimo de 25% do lucro líquido, além de, para as ações preferenciais um mínimo de 5% calculados sobre parte do capital representado por essas ações, ou de 3% do valor do patrimônio líquido da ação, sempre o que for maior.

Acontece que o governo Bolsonaro promoveu três mexidas na forma de distribuição de dividendos que não foram aprovadas pela assembleia de acionistas. A primeira foi em agosto de 2019, que definiu que se o endividamento bruto fosse menor que 60 bilhões de dólares, haveria pagamento de 60% da diferença entre o fluxo de caixa operacional (gerado pelas atividades próprias da empresa) e o investimento. Isso naturalmente implica que quanto maior o volume de dividendos distribuídos, menor a taxa de investimento da companhia, criando-se um trade-off dividendos x investimentos.

A segunda foi em outubro de 2020 e determinou pagamento de dividendos mesmo que a empresa não tenha lucro, mas desde que o endividamento esteja abaixo de 60 bi de dólares. Finalmente, em novembro do ano passado a companhia determinou um mínimo de dividendos pagos de 4 bi de dólares independentemente do resultado. O patamar de endividamento para permitir pagamentos subiu de 60 bi de dólares para 65 bi de dólares e permitiria liberação de dividendos via saques na conta de reserva de lucros (que são os lucros gerados pela empresa, mas não distribuídos aos sócios e acionistas).

Assim, ficaram definidos valores mínimos pagos se a empresa tiver baixo endividamento e criaram-se novos mecanismos para aumentar os dividendos pagos, além do determinado em estatuto. Logicamente isso impacta a política de investimentos da empresa. A Petrobras é a empresa responsável pela maior fatia de FBKF do país e viu sua taxa de investimento cair para menos de 20%, de 43 bi de reais em 2011 para somente 8,7 bi em 2021.

No primeiro semestre deste ano o investimento foi de somente 21 bi, o que leva a um encolhimento do portfólio da empresa e deteriora os resultados de longo prazo. O que os comentários feitos durante a campanha presidencial de 2022 indicam é que o principal objetivo de Lula é transformar a PPI em PPE (política de paridade de exportação) e, para isso, é preciso elevar a taxa de investimento.

A mudança da política de preços da PPI em PPE se daria da seguinte forma: manter a lógica de que a capacidade instalada não é capaz de atender à demanda interna, sendo necessária a importação de óleo refinado e por isso a Petrobras tem que vender no mercado interno a um preço que seja igual ao custo de oportunidade de a empresa vender no exterior seu produto. Para manter essa lógica de mercado, invertendo o cálculo, é preciso, portanto, de fato exportar óleo refinado, o que demanda a construção de refinarias, por meio da expansão de investimentos e importações tão substanciais que são capazes de inverter resultados no balanço de pagamentos do país.

Para mudar a PPI e transformá-la em PPE é preciso aumentar substancialmente a taxa de investimento da companhia e se isso não for feito via redução da parcela de lucros e dividendos distribuída, será feito via aumento do endividamento, o que contraria os atuais critérios usados pela empresa. É preciso entender isso para ser acionista da Petrobras. Trata-se de uma empresa que atua em um setor de duration de mais de 15 anos com o ROE (return of equity) atual tendo sido desenhado em 2006 quando o mercado torcia o nariz para os elevados investimentos no pré-sal e hoje, graças àquele investimento, saímos de uma produção de 700 mil barris por dia para mais de 3 milhões de barris por dia. Sem esse petróleo do Pré-Sal provavelmente teríamos déficits em conta comercial.

Os investidores precisam compreender que petróleo é capital intensivo e a maturidade dos projetos pode ser de mais de 40 anos, portanto, para aqueles que buscam retorno imediato, devem alocar suas posições em outros setores após uma revisão de plano de estratégia de investimento. Desse modo, a queda do preço das ações da Petrobras vista após as eleições na verdade nada mais é que uma situação mercado eficiente já que só fica na posição comprada quem entende a dinâmica do setor de óleo e gás, enquanto os que têm visão de curto prazo se desfazem da empresa. O objetivo da empresa (e responsabilidade do sócio majoritário que é o governo) é manter a perenidade do negócio, o que exige altos investimentos.

Há um trade-off entre remuneração de curto prazo e investimentos de longo prazo, não entender isso leva a uma situação parecida com a do BNDES que é tentar entender qual seu papel.

Há ainda a ideia da taxação, que é alterar os preços relativos e estimular o atendimento à demanda interna sem que essa precise ser muito aquecida, mas, por sua vez, como exportação faz parte da demanda dos produtos da empresa, isso implicaria natural redução do investimento.

Esse ponto impõe uma dificuldade ainda maior para o processo que precisa combinar aumento da capacidade de refino (que exige importação de gás mais caro hoje e um processo de juros mais altos caso opte-se por endividamento de maneira exclusiva) com aumento da capacidade de exportação em termos líquidos para manter a lógica da PPI, mas sem seguir os preços externos.

Há que se ter em mente que os lucros elevados atuais não resultam de boa vontade do governo, exceto a parcela que se refere às três mudanças de fórmulas de distribuição de lucros e dividendos. Mas os lucros altos dos anos Bolsonaro resultam também da alta de preço de commodities, da PPI e da redução da alíquota do ICMS.

Hoje o CAPEX da Petrobras é de cerca de 8,7 bilhões de reais, bem abaixo das maiores petroleiras do mundo como Shell (19 bi), Total (16 bi), BP (12 bi) e Exxon (12 bi).

A compreensão da complexidade do quadro é fundamental para especialistas no setor, mercado e governo. O cenário para 2023 pode impor altas dos preços de petróleo e gás, aumento da aversão ao risco global e maior dificuldade de funding para investimentos de longo prazo, e juros elevados nos mercados interno e externo. O desafio, no entanto, segue sendo compatibilizar regras mais claras para os três elementos centrais apontados no texto, pois com maior espaço para alocação de investimentos já se começa a desenhar o objetivo de alteração da política de preços que, por sua vez, precisa dar conta de não onerar o caixa da empresa e evitar distúrbios macroeconômicos como os que a regra atual traz, ao repassar toda a volatilidade dos preços do petróleo e da taxa de câmbio para o consumidor final, da refinaria à bomba ao longo da cadeia.

 

REFERÊNCIAS

https://www.investidorpetrobras.com.br/resultados-e-comunicados/central-de-resultados/ (balanços da Petrobras)

https://transparencia.petrobras.com.br/sites/default/files/Estatuto-Social-AGOE-27-Abril-2017-Portugues.pdf (estatuto da Petrobras)

https://www.investidorpetrobras.com.br/acoes-dividendos-e-dividas/dividendos-e-jcp/ (política de dividendos da Petrobras)

 

Osmani Pontes é Graduado em Ciências Econômicas pelo IE/UFRJ, especialista em mercados de derivativos, opções e futuros pelo INSPER (MBA) e em gestão de portfólios cambiais pela EPGE/FGV. Há 10 anos em mercado financeiro., atualmente é executivo e atua em mercados de câmbio e futuros.

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