Opinião

O crédito de carbono e a Reforma Tributária

O que se espera é que a Emenda Constitucional nº 132/2023, que prevê que tanto o imposto quanto a contribuição sobre bens e serviços poderão incidir sobre as diversas operações envolvendo crédito de carbono, crie as bases necessárias para o desenvolvimento de uma política extrafiscal imprescindível para a atual e as vindouras gerações

Por Márcio Ávila

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A redução das emissões de gases do efeito estufa faz parte da agenda global. Especificamente no Brasil, o assunto interessa de perto às empresas exploradoras e produtoras de petróleo e gás natural, assim como ao segmento do transporte marítimo.

A Constituição Federal de 1988 prevê que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações (art. 225, caput). Desde a Convenção Quadro de Mudanças Climáticas das Nações Unidas (Eco 92), passando pelo Acordo de Paris (2015 - ratificado pelo Brasil através do Decreto n° 9.073/2015) e chegando na 28ª Conferência das Partes da ONU (COP28), as metas de redução das emissões de gases do efeito estufa estão sendo, gradualmente, concretizadas nos ordenamentos jurídicos através do crédito de carbono, cuja natureza jurídica e classificação contábil são objeto de grandes debates.

O crédito de carbono pode ser negociado no mercado regulado (Reduções Certificadas de Emissões - RCEs) ou no mercado voluntário. Neste último, não há obrigação nem meta para as partes envolvidas, e qualquer empresa pode comprar créditos de carbono de forma voluntária, reforçando estratégias de sustentabilidade e governança climática.

O legislador tem procurado classificá-lo com vistas a permitir sua negociação da maneira mais ampla possível. Nesse sentido, a Lei nº 12.187/2009 trata do Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE) e diz que é neste ambiente que se dará a negociação de “títulos mobiliários representativos de emissões de gases de efeito estufa evitadas certificadas” (art. 9º). A Lei nº 12.651/2012, que dispõe sobre a proteção da vegetação nativa, define o crédito de carbono como “título de direito sobre bem intangível e incorpóreo transacionável” (art. 3º, XXVII). O Decreto nº 11.075/2022, que estabelece os procedimentos para a elaboração dos Planos Setoriais de Mitigação das Mudanças Climáticas e institui o Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa, vai tratá-lo como “ativo financeiro, ambiental, transferível” (art. 2º, I).

Classificar o crédito de carbono como ativo financeiro, tal como fez o Decreto nº 11.075/2022, também é relevante especificamente para o direito contábil, mas, mesmo nesse ramo, se a empresa pretende aposentá-lo, será um ativo intangível, o que demonstra que tudo depende do contexto e da finalidade, como pode ser visto no quadro abaixo:

A Lei nº 13.576/2017, que dispõe sobre a Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio), prevê a possibilidade de comercialização de Créditos de Descarbonização (CBIO) pelas empresas sucroalcooleiras. Produtores e importadores de biocombustíveis habilitados pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) são emissores primários e podem realizar a geração e comercialização de CBIOs. A receita das pessoas jurídicas auferida até 31 de dezembro de 2030 nas negociações dos Créditos de Descarbonização fica sujeita à incidência do imposto sobre a renda exclusivamente na fonte à alíquota de 15% (quinze por cento) - art. 15-A.

A Lei nº 14.590/2023, objeto da conversão da Medida Provisória nº 1.151/2022, se insere no âmbito da chamada Pauta Verde, encabeçada pela Câmara dos Deputados, que reúne uma série de propostas legislativas voltadas para a transição energética e para uma economia focada na sustentabilidade e na preservação ambiental. A legislação em questão estabelece mudanças nas regras da lei de gestão de florestas públicas por concessão, permitindo a exploração de outras atividades não madeireiras e o aproveitamento e comercialização de créditos de carbono.

A Lei nº 11.516/2007, com as alterações promovidas pelo art. 2º da Lei nº 14.590/2023, passou a prever que “as concessões em unidades de conservação poderão contemplar em seu objeto o direito de desenvolver e comercializar créditos de carbono e serviços ambientais, conforme regulamento” (art. 14-D). Naturalmente, o fato de o desenvolvimento e a comercialização dos créditos de carbono e serviços ambientais estarem contidos no objeto das concessões não faz com que a natureza jurídica de tais atividades se confunda com a própria concessão florestal.

Em meio a esse cenário de incertezas jurídicas, surge a Emenda Constitucional nº 132, de 20 de dezembro de 2023, fruto da Reforma Tributária, que prevê que tanto o imposto sobre bens e serviços (IBS) quanto a contribuição sobre bens e serviços (CBS) incidirão, nos termos da futura lei complementar, sobre operações com bens materiais ou imateriais, inclusive direitos, ou com serviços (art. 156-A, § 1º, inc. I e art. 195, § 16).

Ora, o crédito de carbono é um bem imaterial e a cessão que ocorre é quanto ao direito dele decorrente. Parece claro, diante do amplo espectro, que tanto o IBS quanto a CBS poderão incidir sobre as diversas operações envolvendo o crédito de carbono, assim como sobre os serviços ambientais.

Contudo, ainda que exista na atualidade uma forte pressão contra qualquer tipo de política extrafiscal, fato é que a EC nº 132/2023 prevê expressamente que o Sistema Tributário Nacional deve observar o princípio da defesa do meio ambiente (CRFB/88, art. 145, § 4º) e, sempre que possível, que a concessão dos incentivos regionais de isenção, redução ou diferimento temporário de tributos federais devidos por pessoas físicas ou jurídicas, deve considerar critérios de sustentabilidade ambiental e redução das emissões de carbono (CRFB/88, art. 43, § 4º). Tais previsões impõem uma política extrafiscal à altura do texto constitucional.

O Município do Rio de Janeiro é um dos pioneiros na criação de política fiscal de incentivo ao mercado de crédito de carbono (Programa ISS Neutro - Lei nº 7.907/2023), o que vem sendo seguido por outras localidades. Ao invés da tradicional alíquota de 5% (cinco por cento) de ISS, passa a ser aplicada a alíquota de 2% (dois por cento) sobre serviços de   desenvolvimento e de auditoria de projetos de créditos de carbono, de registro e certificação de créditos de carbono, de disponibilização de plataformas de transação de créditos de carbono e de inventário de emissões de gases de efeito estufa e de auditoria de inventários de emissões de gases de efeito estufa (vide itens 27 a 30 do art. 33 da Lei nº 691/84 - Código Tributário do Município do Rio de Janeiro).

Nesse sentido, o que se espera da futura lei complementar sobre o IBS e a CBS é que esteja em conformidade com o texto constitucional, a agenda global e algumas iniciativas locais como o Programa ISS Neutro do Município do Rio de Janeiro, de maneira que crie as bases necessárias para o desenvolvimento de uma política extrafiscal imprescindível para a atual e as vindouras gerações.

 

 

Marcio Ávila, pós-doutor em direito tributário, doutor e mestre em direito internacional (UERJ), é professor de prática tributária na FADUFF e sócio do escritório Márcio Ávila advocacia e consultoria. Escreve mensalmente na Brasil Energia.

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