Opinião
Recursos encalhados e o petróleo na margem equatorial brasileira
No Brasil, o esforço exploratório no pré-sal pode estar perto de resultados decrescentes e a condição de exportador dependerá de novas áreas
As grandes petroleiras têm sido cobradas quanto aos seus compromissos climáticos. Nos Estados Unidos, duas batalhas entre acionistas e, na Europa, uma inédita decisão de justiça questionam o papel que exercerão na transição energética. Outro indicador foi dado pela Agência Internacional de Energia, que reúne os maiores países consumidores: os projetos em O&G poderão estar condenados a partir do final da próxima década.
O cenário parece assustador para produtores, países exportadores e empresas especializadas. Mesmo que não ocorra tão cedo, poucos duvidam do que virá. O endurecimento da proteção ambiental e da política climática, o avanço da tecnologia, a substituição das fontes fósseis, a mudança nos termos de troca por meio parafiscal (taxas, impostos, preços públicos e compensações) e o subsídio ao financiamento de projetos verdes fazem o movimento irreversível.
O ativo de uma empresa é o que gera receita e retorno ao investidor. A montante no petróleo, são os recursos potenciais que, após quatro a dez anos de investigação, tornam-se reservas recuperáveis a serem extraídas nos vinte anos seguintes. Base do valor gerado, esses recursos correm risco de ficarem “encalhados”. Bancos centrais e reguladores têm sublinhado a alta exposição e o perigo deles desencadearem uma crise financeira.
No Brasil, por décadas, o petróleo foi escasso e importado. Os choques de 1970 acabaram com o milagre e alavancaram o biocombustível. As descobertas no pré-sal, em águas ultraprofundas, só ocorreram depois de 2007. O país tornou-se grande exportador (1 milhão de bpd) e, para tanto, captou bilhões que financiaram os ativos em produção. De contumaz devedor, tornou-se credor internacional. US$ 360 bilhões em reservas cambiais e 14 bilhões de barris em reservas provadas, quem apostaria nisso em 1999?
A inflexão foi rápida e até surpreendente, mas, talvez, tardia. A vocação tem pouco tempo para ser valorizada e a questão não se coloca só no pré-sal. Pouco se sabe sobre a geologia do país e, depois de 1998, são as empresas que bancam a exploração. Ao estado cabe indicar prioridades e ditar a regulação. Considere-se também a maturação dos ativos e a velocidade da transição. Acelerar – ou não – a busca por óleo é uma decisão-chave da política energética.
Vale lembrar a probabilidade: em exploração, primeiro vem as grandes descobertas, depois, as pequenas. O pré-sal se constituiu na maior província aberta nas últimas décadas, com reservas provadas de 10 bilhões de boe e projetos que produzirão mais de 4 milhões de bpd. Contudo, no último triênio, a falta de sucesso intriga e pode indicar os rendimentos decrescentes, que levam à passagem para novas áreas e horizontes geológicos.
É um adendo a ser considerado na política energética. O que virá após o pré-sal? A questão é ainda mais pertinente com as descobertas na Guiana e no Suriname, à origem da mais nova fronteira offshore. As descobertas corroboram o espelhamento entre a costa africana e sul-americana. No litoral de Gana e Costa do Marfim foram identificadas importantes jazidas desde o início do século. A Margem Equatorial permanecerá, assim, prioridade para as empresas.
À porção brasileira interessa: em bônus de assinatura e aquisição de dados, as despesas já somam US$ 1 bilhão nas bacias marítimas existentes. A disposição a gastar crescerá na medida em que as descobertas se confirmem nos dois lados do oceano. Apenas os compromissos firmados nos contratos beiram US$ 4 bilhões. A partir desses valores, é possível inferir que as petroleiras contam com 15 bilhões de barris como recursos prospectivos. O volume não estaria numa só acumulação, mas em algumas, como ocorreu na área vizinha, ou em Gana e Costa do Marfim. Ao preço de US$ 50 e considerando a compensação para cada barril em um quinto deste valor, se as expectativas iniciais se realizarem, perto de US$ 150 bilhões seriam recolhidos em participações governamentais, sem contar impostos.
A produção em águas ultraprofundas envolve somas entre US$ 2 a 3 bilhões para cada ativo com capacidade de extrair 200 mil bpd. Essas despesas e a operação teriam enorme impacto, muito além dos tributos e das compensações. Em especial, numa região onde as oportunidades de geração de renda continuam limitadas, e o estado não consegue se financiar.
As obrigações assumidas e as descobertas realizadas indicam que, a despeito da volatilidade e do colapso do preço, no mar, não existe outra aposta de porte mundial que rivalize com a Margem Equatorial. No Brasil, o esforço exploratório no pré-sal pode estar perto de resultados decrescentes e a condição de exportador dependerá de novas áreas. Sem dúvida, o litoral Norte dispõe de argumentos para atrair as petroleiras, assim que retomarem seus investimentos mais arriscados.
A janela para o aproveitamento das jazidas se estenderá por vinte a trinta anos, talvez mais na periferia; de qualquer forma pouco para a indústria. Considerando o risco da atividade em alto-mar, a centena de milhas da base, em águas ultraprofundas, com equipamentos submetidos a fortes correntezas e equipes mantidas isoladas por semanas, não será preciso apenas descobrir óleo, mas também, ter projetos adequados à região, às portas da Amazônia e entre as últimas fronteiras offshore.
Duque Dutra é Mestre em Planejamento Energético, Doutor em Ciências Econômicas e Professor Adjunto da Escola de Química da UFRJ.
Guilherme Eduardo Zerbinatti Papaterra, coautor deste artigo, é Especialista Sênior em Regulação de Petróleo e Gás Natural da ANP, Geólogo e Mestre em Geologia pela UFRJ.