Opinião

Aspectos jurídicos da TFPG no Rio de Janeiro

A TFPG não pode ter a finalidade de recompor as contas públicas nem violar os princípios da equivalência das taxas e da proporcionalidade, já que não é possível cobrar uma taxa de valor idêntico para áreas sob contrato cujas dimensões são distintas.

Por Márcio Ávila

Compartilhe Facebook Instagram Twitter Linkedin Whatsapp

O presente artigo trata de alguns aspectos jurídicos da Taxa de Controle, Monitoramento e Fiscalização das Atividades de Exploração e Produção de Petróleo e Gás (TFPG) no Estado do Rio de Janeiro, introduzida pela Lei nº 10.254/2023, que pretende produzir efeitos a partir de 1º de abril de 2024.

A proteção do meio ambiente surge como objetivo indissociável da política nacional do petróleo (art. 1º, IV, da Lei nº 9.478/1997). A Constituição Federal assegurou a todos os entes federados competência comum para registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios (art. 23, XI). Também é de competência comum a proteção do meio ambiente e o combate à poluição em qualquer de suas formas (art. 23, VI).

A Constituição Federal prevê expressamente que compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição (art. 24, VI). Não há afronta à competência privativa da União para legislar sobre o tema (art. 22, XII). O STF, inclusive, já entendeu que o Estado do Rio de Janeiro pode instituir taxa sobre concessões relativas à indústria do petróleo (ADI nº 5480, Rel. Min. Alexandre de Moraes). Pelo exposto, o Estado do Rio de Janeiro tem competência tributária para instituir a TFPG.

Não é a primeira vez que o Estado do Rio de Janeiro tenta instituir uma taxa de fiscalização tendo como fato gerador o exercício regular do poder de polícia ambiental sobre a atividade de pesquisa, lavra, exploração e produção de petróleo e gás (Lei nº 7.182/2015). Contudo, a constitucionalidade da norma foi posta à prova nas ADIs 5480 e 5512, tendo o STF entendido que a base de cálculo indicada pelo art. 4º da referida lei (barril de petróleo extraído ou unidade equivalente de gás a ser recolhida) não guarda congruência com os custos das atividades de fiscalização exercidas pelo órgão ambiental estadual fluminense, o Instituto Estadual do Ambiente (INEA).

Em decorrência do entendimento do STF, a própria Lei nº 10.254/2023 prevê a revogação da Lei nº 7.182/2015 e tenta novamente proceder à cobrança da taxa, mas agora com uma nova forma de apurá-la: enquanto na norma anterior o valor da TFPG correspondia a R$ 2,71 (dois reais e setenta e um centavos) por barril de petróleo extraído ou unidade equivalente de gás extraído, o que foi julgado inconstitucional pelo STF, na nova legislação o valor da TFPG corresponde a 10.000 (dez mil) UFIR por mês, por área sob contrato (art. 6º, caput da Lei nº 10.254/2023), a qual consiste no bloco ou campo objeto de um contrato de concessão, contrato de cessão onerosa ou contrato de partilha de produção (art. 2º, IV, da Resolução ANP nº 867/2022).

Ocorre que a exação continua incongruente com os custos das atividades de fiscalização porque pretende ser cobrada de maneira idêntica para áreas sob contrato cujas dimensões são distintas. Na 17ª Rodada de Licitações da ANP, por exemplo, as dimensões das áreas em oferta foram as seguintes:

Fonte: https://www.gov.br/anp/pt-br/rodadas-anp/rodadas-concluidas/concessao-de-blocos-exploratorios/17a-rodada-licitacoes-blocos/arquivos/edital/edital.pdf.

 

Não faz sentido que a lei preveja a cobrança de 10.000 (dez mil) UFIR por mês para uma área sob contrato de 1.424,299 km² e a mesma quantidade de UFIR para uma área de 10.821,439 km². O poder de polícia tem que ser efetivo e individualizado, não podendo jamais ser mensurado de forma abstrata. Para que exista uma equivalência razoável no valor da taxa, esta deve corresponder a uma relação entre a metragem de cada área sob contrato e a atividade de fiscalização, o que não consta da lei.

Em que pese o art. 7° da Lei nº 10.254/2023 prever que o valor recolhido a título de TFPG será integralmente destinado a arcar com os custos da atividade fiscalizatória estatal, este custo não pode ser igual para duas áreas distintas, sendo a primeira área sete vezes menor do que a segunda, como exposto no parágrafo anterior.  A ausência de proporcionalidade aqui é bem evidente.

Além disso, o intuito arrecadatório da TFPG é exposto textualmente no primeiro parágrafo da justificativa ao Projeto de Lei 1.473/2023: “Trata-se de projeto de lei oriundo da Comissão de Inquérito destinada a investigar a queda na arrecadação do Estado do Rio de Janeiro referente às receitas compensatórias da exploração de petróleo e gás - Resolução nº 372/2021”.

É uma confissão irrefutável que vai de encontro à finalidade da instituição de taxas. A queda na arrecadação de royalties e participações especiais, mote da CPI da Alerj que foi concluída em novembro de 2021, não pode ter como solução, mais de dois anos depois, a instituição de taxa que não mensura, de forma particularizada, a atividade de fiscalização. A TFPG não pode ter a finalidade de recompor as contas públicas.

A solução jurídica mais próxima para os operadores dos contratos de concessão, partilha ou cessão onerosa é a impetração de mandado de segurança com vistas a afastar a exação. Outra possibilidade é o ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de medida cautelar, por um dos legitimados constantes dos incisos do art. 103 da Constituição Federal, sendo mais comum nesse segmento, a propositura por entidade de classe de âmbito nacional.

Em suma, o Estado do Rio de Janeiro tem competência tributária para instituir a TFPG, mas o art. 6º, caput, da Lei nº 10.254/2023 viola os princípios da equivalência das taxas e da proporcionalidade. Não é possível cobrar uma taxa de valor idêntico para áreas sob contrato cujas dimensões são distintas. Devem ser extraídos da realidade elementos para complementar o aspecto quantitativo da taxa, visando encontrar, com verossimilhança, a razoável equivalência do valor da exação com os custos que ela pretende ressarcir.

 

 

Marcio Ávila, pós-doutor em direito tributário, doutor e mestre em direito internacional (UERJ), é professor de prática tributária na FADUFF e sócio do escritório Márcio Ávila advocacia e consultoria. Escreve mensalmente na Brasil Energia.

Outros Artigos