Opinião

A importância das ações afirmativas das empresas

As chamadas políticas afirmativas devem ir além da entrada em uma organização, passando pela possibilidade de ascensão aos diversos níveis gerenciais

Por Wagner Victer

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Os fatos de ampla repercussão que aconteceram no exterior relacionado à questão do preconceito racial, e também no Brasil, em uma grande rede de supermercados, reacenderam o debate sobre o assunto e sobre como as empresas devem se preparar. O desafio é antecipar uma série de problemas a partir das chamadas ações afirmativas.

Em 2001, enquanto secretário de Estado no Rio de Janeiro, contribuí efetivamente para a formulação da primeira lei no Brasil sobre a aplicação do sistema de cotas raciais no acesso às universidades, trabalho que serviu de base para legislações estaduais e para o Governo Federal.

É assunto que, se mal conduzido, pode transformar-se em um problema institucional, como já aconteceu em ações inadequadas tomadas por empresas, isoladamente ou por meio de executivos, profissionais e terceirizados, o que desqualifica a imagem de uma organização, com efeitos extremamente danosos, potencializados em redes sociais.

Portanto, é fundamental desenvolver um conjunto de ações afirmativas, especialmente as de natureza inclusiva.

Quanto ao fato ocorrido no Brasil, tive a estarrecedora constatação, a partir de comentários em redes sociais, de que alguns executivos e profissionais que atuam em grandes empresas ainda possuem uma visão bastante distorcida e, certamente, um preconceito latente em relação à questão racial, às políticas públicas e às ações discricionárias voltadas para ações afirmativas.

O preconceito racial é, muitas vezes, praticado de forma despercebida. Enraizado em diversos atos da vida cotidiana, se transporta para o ambiente empresarial e pode, se não ganhar a devida atenção, representar um risco institucional enorme, especialmente para grandes empresas.

A discussão da conveniência ou não da adoção de ações afirmativas para promoção específica de um determinado grupo social não é mais um mero debate de natureza política ou ideológica. É uma ação contemporânea, discricionária, que requer espaço no planejamento estratégico das organizações, independente do seu tamanho.

O assunto certamente deve ganhar peso nos maiores setores da nossa economia, sobretudo nas áreas de energia e petróleo, em que encontramos grandes corporações nacionais e internacionais, muitas oriundas de outras culturas com atuação em nosso país, onde temos um conceito e uma legislação dedicados ao tema.

No Brasil, a Lei Federal nº 12.288/10 estabelece no seu Artigo 2º que é um dever do Estado e, consequentemente, da sociedade, promover a igualdade de oportunidades "independente da etnia ou da cor de pele”.  Dessa forma, a legislação sugere que não é meramente uma obrigação a ser observada pelos poderes públicos, mas também uma ação a ser cumprida pela sociedade civil e pelas empresas de maneira discricionária, porém alinhada com a expectativa legal.

A lei citada, por já ter completado 10 anos e estar inserida em uma dinâmica atual bastante expressa, ainda traz certa opacidade em seus objetivos. Apesar de focar bastante na responsabilidade dos poderes públicos, ou seja, responsabilidade do Estado, não deixa muito claro e impositivo o papel das empresas, em especial as privadas, e somente em seu Artigo 39 estabelece que o poder público deve promover ações que busquem incentivar medidas afirmativas nas organizações privadas, similares àquelas feitas pelas públicas, que normalmente já utilizam, inclusive para ingresso por programas de cotas.

O Ministério Público do Trabalho, emitiu em 2018 a Nota Técnica de GT de Raça 001, que define como plenamente admissível e esperada a implantação de ações afirmativas no contexto das empresas privadas, e que elas podem ser aplicadas por critérios como a contratação de trabalhadores oriundos da população negra, ou com o uso de plataformas específicas, como as digitais.

Assim, o tema conta com a cobertura de legislação vigente, com a atuação dos órgãos de controle e já encontra, inclusive, suporte em decisões do próprio Supremo Tribunal Federal (STF), que rebatem qualquer tese de preconceito enrustido que possa vir a questionar a legitimidade e a legalidade de tais ações.

Sendo assim, as políticas afirmativas nas empresas serão cada vez mais presentes e de extrema importância, em função da nova dinâmica exigida pela sociedade. Percebemos na prática aquilo que muitos que já debatem o assunto dizem: “o racismo sempre existiu, mas agora ele é filmado”.

Antes de implantar as chamadas ações afirmativas, o primeiro passo, extremamente recomendável, é o treinamento do corpo gerencial, partindo da alta administração, passando pelos profissionais de diversos níveis e chegando até servidores terceirizados. Tal processo se aplica nas grandes e médias empresas, com conteúdos sobre o que é preconceito racial, como este se insere na legislação brasileira e como pequenas práticas, ou até “brincadeiras”, especialmente em redes sociais, inclusive privadas, podem contaminar a vida do profissional e atingir negativamente a organização.

Tais pontos precisam constar de forma clara no Código de Ética das organizações. Ou seja, não há como desenvolver políticas afirmativas junto a profissionais - que devem praticá-las tanto no ambiente de trabalho quanto na vida privada - se existir preconceito velado e não reconhecido.

As políticas afirmativas não se inserem meramente no percentual de etnias, presentes nos antigos balanços sociais, mas na possibilidade de ascensão aos diversos níveis da organização e não somente nas carreiras subalternas, como historicamente é possível observar pela forma como algumas organizações empresariais se desenvolveram e se autoavaliavam.

Esse é um tema que requer, considerando essa nova onda crítica, uma atenção cada vez maior. Fica claro que políticas afirmativas devem ser discutidas, aprofundadas e realizadas de maneira planejada, não apenas para atingir impactos na mídia, mas para inserir novos valores na cultura interna e na própria imagem das organizações. Até porque, muitas vezes, no seu desenvolvimento, certas políticas podem gerar controvérsias, como a que vimos recentemente, quando uma empresa lançou programa de trainees vinculados exclusivamente a candidatos negros.

Tal iniciativa gerou, logicamente, uma discussão nas redes, desequilibrada e extremamente preocupante diante do objetivo que se espera, que é a inclusão, e não a diferenciação por polêmicas midiáticas.

Wagner Victer é ex-secretário de Estado de Energia, Indústria Naval e do Petróleo, e ex-conselheiro do CNPE

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